Desenvolvimento de medicamentos novos
Índice
O processo de desenvolvimento de um medicamento
Com a finalidade de regular o uso de medicamentos por seres humanos, os diferentes países estabeleceram critérios mínimos de segurança para a liberação de uma nova droga no mercado. As agências reguladoras, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) no Brasil, Food and Drug Administration (FDA) nos Estados Unidos e a Agência Européia para Avaliação de Produtos Medicinais (EMEA) na Europa, são responsáveis pela elaboração de normas técnicas, pela avaliação das novas solicitações de uso específico, pela fiscalização pelo acompanhamento do uso destes medicamentos dentro de suas indicações. O monitoramento de eventos adversos relatados por médicos e pacientes em situações assistenciais é fundamental para permitir a continuidade de uso, a sua adequação ou a sua retirada do mercado. [1]
Quando um ensaio clínico com um medicamento é conduzido, o processo é dividido em fases. Cada fase possui um objetivo, mas o importante é que a segurança deve estar sempre presente. Depois de realizadas todas as etapas, as autoridades regulatórias, no caso do Brasil, a ANVISA, avaliam os resultados e se eles forem satisfatórios, registram o medicamento que pode ser prescrito por profissionais tecnicamente habilitados. Um medicamento para ser liberado no mercado deve conter duas características essenciais: segurança e eficácia. [2]; [3]
Nos documentos que estabeleceram as diretrizes e normas brasileiras de pesquisa, as Resoluções 01/88 [4], 196/96 [5] e 251/97 [6] do Conselho Nacional de Saúde (CNS), as palavras droga, fármaco e medicamento têm sido utilizadas de forma indistinta. A pesquisa de novos medicamentos mereceu uma atenção especial por utilizar seres humanos como sujeitos de pesquisa e pela possível repercussão de seus resultados. Esses projetos de pesquisa foram agrupados em fases, que foram estabelecidas por diferentes documentos e diretrizes, com a finalidade de preservar a integridade e a segurança dos seus participantes [7]. No Brasil estas fases foram estabelecidas nas Resoluções CNS 01/88 [8] e 251/97 [9], assim como nas Boas Práticas Clínicas MERCOSUL [10]. A justificativa teórica para a proposta de realizar as pesquisas é o Princípio da Precaução. Esse Princípio, baseado nas idéias de Hans Jonas, estabelece que a existência de risco de um dano sério ou irreversível requer a implementação de medidas que possam prevenir a ocorrência do mesmo. Para contemplar os requesitos mínimos para se tornar um fármaco, essa substância deverá seguir etapas que vão desde a sua descoberta, desenvolvimento pré-clínico e posteriormente, desenvolvimento clínico, assim descritos:
1. Descoberta do fármaco: processo inicial, no qual as moléculas de maior importância são escolhidas com base nas suas propriedades farmacológicas [11]
2. Fase Pré-clínica ou Desenvolvimento pré-clínico: De acordo com a Resolução CNS 251/97, a pesquisa pré-clínica deve gerar informações que permitam justificar a realização de pesquisas em seres humanos. Os resultados pré-clínicos devem justificar a relevância dos achados, as possíveis aplicações terapêuticas e antever alguns dos riscos com o seu uso [12]. Nesta etapa uma ampla variedade de estudos são realizados, objetivando testar toxicidade, comportamento da substância/fármaco no organismo, ou seja, estudo farmacocinético que envolve ensaios de absorção, biodistribuição, e eliminação desta substância/fármaco e ainda estudo de formulação que envolve estudos de tecnologia farmacêutica, com o objetivo de desenvolver a melhor forma farmacêutica (comprimido, cápsula, injetável entre outras) a ser utilizada. Nesta fase não há pesquisa com humanos, os ensaios são realizados em culturas de células ou ainda utilizando animais de laboratório. A duração dos estudos pré-clínicos de cada medicamento deve estar relacionada ao período previsto para o seu uso terapêutico. As Boas Práticas Clínicas do MERCOSUL estabelecem que quando o período de administração no ser humano for de uma dose única, ou em pequeno número, a pesquisa em animais deve ser, no mínimo de duas semanas. Quando o período de uso preconizado for até quatro semanas, o estudo deverá ser de três a vinte e seis semanas. Para propostas de uso superiores a quatro semanas a avaliação deverá durar, no mínimo, vinte e seis semanas, sem incluir os estudos de carcinogenicidade [13]. O objetivo principal desta fase é verificar como esta substância se comporta em um organismo [14] [15]
3. Fase Clínica ou Desenvolvimento clínico: A fase clínica das pesquisas de novas drogas, que é realizada em seres humanos, é subdividida em quatro diferentes fases, denominadas de 1 a 4, de acordo com o nível crescente de conhecimento que se tem sobre os efeitos desta substância em modelos celulares, animais e em seres humanos. Estas fases também se diferenciam pelos objetivos específicos de cada tipo de estudo, pelo tipo de delineamento utilizado e, principalmente, pelo número e características dos participantes. Estas fases são sucessivas e escalonadas, com níveis crescentes de complexidade e de exposição. Idealmente, os estudos de Fase 2 dependem do s resultados obtidos nos estudos de Fase 1, para serem iniciados, assim como os estudos Fase 3 dos de Fase 2. As sucessivas fases dentro da fase clínica são:
- FASE I: Estas pesquisas se propõem estabelecer uma evolução preliminar da segurança e da tolerabilidade. Nesta fase a medicação é testada em pequenos grupos (10 – 80 pessoas, não ultrapassando 100 pessoas), geralmente, de voluntários sadios. Pode haver exceções no caso de avaliação de medicamentos para câncer ou portadores de HIV-AIDS. Se tudo ocorrer de acordo com o esperado, ou seja, se o produto se mostrar seguro, pode-se passar para a Fase II [16] Nas Boas Práticas Clínicas do MERCOSUL é feita a recomendação de que a dose máxima a ser administrada nos estudos de Fase 1 seja 1/10 da dose considerada segura nos estudos pré-clínicos. Esta segurança deve ser resultante de estudos realizados na espécie que haja demonstrado ser mais sensível, ou naquela com mais estreita semelhança biológica ao ser humano, do perfil farmacocinético e, quando possível, do perfil farmacodinâmico. Outra recomendação é que as pessoas incluídas nesta fase não sejam expostas a mais de três doses do fármaco em pesquisa. O aumento da dose deverá ser realizado de maneira cautelosa, não superando o dobro da dose anteriormente utilizada[17]
- FASE II: O objetivo dos estudos de Fase 2 é avaliar a eficácia terapêutica, isto é, se ela funciona para tratar determinada doença, e também obter informações mais detalhadas sobre a segurança (toxicidade) de um novo produto farmacêutico. O número de pacientes que participam desta fase é maior (70 - 100). Somente se os resultados forem satisfatórios é que o medicamento será estudado sob forma de um estudo clínico fase III [18]
- FASE III: Os estudos de Fase 3 somente deveriam ocorrer quando os estudos de fase 1 e 2 demonstrassem, de forma clara, quais são os riscos associados a nova droga,a sua segurança e o seu efeito terapêutico potencial. Os estudos de fase 3 buscam avaliar se os efeitos terapêuticos demonstrados nos estudos de fase 2 têm significância estatística e relevância clínica, para uma indicação e para um grupo específico de pacientes. Habitualmente, os estudos de fase 3 envolvem grandes amostras, podendo ser superiores a 3000 participantes. Esses estudos seguem um protocolo único, mesmo quando realizados em diferentes locais e executados por vários grupos de pesquisadores. Quando são realizados de maneira uniforme e em vários locais, esse tipo de projeto de pesquisa recebe a denominação de estudo multicêntrico[19] Nesta fase, o novo tratamento é comparado com o tratamento padrão (referência) existente. Não havendo tratamento padrão, é possível realizar o estudo de fase 3 comparativamente a um placebo. Esta situação deve estar adequadamente descrita no projeto e explicitamente expressa no procedimento de consentimento que será conduzido com os participantes. Todos devem ser adequadamente informados de que podem ser alocados, por meio de procedimentos aleatórios, a um grupo que não receberá a droga que está sendo estudada. Os estudos de fase 3 propiciam informações sobre efeitos colaterais ou adversos encontrados em grandes amostras, que serão utilizadas nas instruções de uso assistencial da nova droga [20]
- FASE IV: Estes estudos são realizados para confirmar os resultados obtidos na fase anterior (fase III). Nesta fase, o medicamento já foi aprovado para ser comercializado. A vantagem dos estudos de fase IV é que eles permitem acompanhar os efeitos dos medicamentos a longo prazo [21] Os projetos de fase 4 são pesquisas realizadas depois que a droga experimental se torna um medicamento comercializável. Estes estudos restringem a utilização às indicações autorizadas. A finalidade dos estudos Fase 4 é confirmar o valor terapêutico do novo medicamento em grandes grupos de pacientes que utilizam este produto em situação menos controlada que a estabelecida nos estudos de fase 3. Outros objetivos destes estudos são estabelecer a incidência de reações adversas já conhecidas ou documentar e acompanhar as que ainda não tenham ocorrido nos estudos de fases anteriores, specialmente a toxicidade e as estratégias de tratamento, incluindo as interações medicamentosas e a segurança de uso. Outra finalidade dos estudos de Fase 4 pode ser a realização de estudos de custo-efetividade da nova droga frente as demais opções existentes[22] A participação de seres humanos em pesquisas deve sempre ser objeto de preocupação e de estabelecimento de medidas que visem a sua proteção contra danos e abusos. Cada vez mais é importante ressaltar o papel fundamental dos Comitês de Ética em Pesquisa na adequada avaliação prévia destes projetos. O adequado entendimento das diferentes fases com as suas peculiaridades é essencial para a adequada avaliação do projeto e principalmente do processo de obtenção do consentimento de cada um dos possíveis participantes. Garantir que essas pessoas sejam informáveis e informadas é uma tarefa que exige grande responsabilidade por parte dos pesquisadores.
A incorporação de novas tecnologias
A incorporação de qualquer medicamento no SUS é feita pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC) e segue a mesma regra. Qualquer pessoa ou organização pode solicitar o pedido de aprovação de uma nova tecnologia pela CONITEC. Para isso, é necessário apresentar estudos científicos que comprovem a relevância do medicamento ou nova tecnologia e garanta que possa preencher uma lacuna importante da atenção à saúde, entre outros documentos. O tempo médio para a análise é de 180 dias (prorrogáveis por mais 90 dias), podendo receber prioridade em caso de doença órfã ou tratamentos inovadores para uma doença. Desde a criação da CONITEC, em 2012, o Ministério da Saúde incluiu 145 novos medicamentos e procedimentos no Sistema Único de Saúde (SUS), o que equivale a quase três vezes a média anual de incorporações feitas nos últimos seis anos, antes da criação da Comissão. Sobre o medicamento fosfoetanolamina sintética ainda não há pedido de incorporação na CONITEC.
Perspectivas de evolução de uma molécula até um fármaco
A descoberta de novas moléculas candidatas a novos fármacos compreende uma cadeia estensa e complexa que para ser bem sucedida necessita de estar bem articulada (Barreiro, 2005). Este percurso envolve a aplicação de técnicas e metodologias modernas cuja produtividade é questionada com base na relação inversa existente entre os investimentos em Investigação e Desenvolvimento (Lima, 2007). A taxa de sucesso destas novas moléculas, desde a etapa de descoberta até ao estágio de desenvolvimento pré-clínico, pode variar de 1 a cada 100 ou 1 a cada 5000 compostos, ou seja, apenas 1 de cada 100 ou 1 de cada 5000 moléculas, seguirão para os estudos clínicos. Das solicitações para uma nova medicação experimental (Investigational New Drug Application-IND) o sucesso estimado varia de 13% para Fase I de ensaios clínicos, 40% para Fase II e 80% para Fase III. Ou seja, a cada 2.500 moléculas candidatas a fase pré-clínicas, apenas 1 chegará a fase final de medicamento. Podemos então concluir que se trata de um processo de baixo índice de sucesso (Lima,2007).
Referências
<references>- ↑ [Goldim, R. A avaliação ética da investigação científica de novas drogas: a importância da caracterização adequada das fases da pesquisa investigational new drugs and ethical review: the adequacy of clinical research phases. Rev HCPA, 27(1), 2007.]
- ↑ [Goldim, R. A avaliação ética da investigação científica de novas drogas: a importância da caracterização adequada das fases da pesquisa investigational new drugs and ethical review: the adequacy of clinical research phases. Rev HCPA, 27(1), 2007.]
- ↑ [H P Rang, H.P.; Dale, M.M.; Ritter, J.M.; Flower, R.J.; Henderson, G. Farmacologia, ed. 7, 2012.]
- ↑ [Brasil CNS. Resolução CNS 01/88 Normas de Pesquisa em Saúde. Diário Oficial da União 1988]
- ↑ [Brasil CNS. Resolução CNS 196/96 - Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos. Diário Oficial da União; 1996. p. 21082-5.]
- ↑ [Brasil CNS. Resolução CNS 251/97 - Normas de Pesquisa com Novos Fármacos, Medicamentos, Vacinas e Testes Diagnósticos Envolvendo Seres Humanos. Díário Oficial da União 1997. p. 21117.]
- ↑ [US. Code of Federal Regulations Sec. 312.21 Phases of an investigation. 2006.]
- ↑ [Brasil CNS. Resolução CNS 01/88 Normas de Pesquisa em Saúde. Diário Oficial da União 1988)]
- ↑ [Brasil CNS. Resolução CNS 251/97 - Normas de Pesquisa com Novos Fármacos, Medicamentos, Vacinas e Testes Diagnósticos Envolvendo Seres Humanos. Díário Oficial da União 1997. p. 21117.]
- ↑ [MERCOSUL GMC. Boas Práticas Clínicas. 1996.
- ↑ [H P Rang, H.P.; Dale, M.M.; Ritter, J.M.; Flower, R.J.; Henderson, G. Farmacologia, ed. 7, 2012.]
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- ↑ [ANVISA, 2015. http://www.anvisa.gov.br/medicamentos/pesquisa/def.htm (acesso em 16.11.2015).
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- ↑ [US. Code of Federal Regulations Sec. 312.21 Phases of an investigation. 2006.]