Monitorização Neurofisiológica Intra-Operatória

Índice

Introdução

Os tumores cerebrais se referem a uma coleção diversificada de neoplasias originárias de diferentes conjuntos de células do próprio cérebro (tumores primários), embora também possam ser oriundos de metástases de outros tumores sistêmicos.

Os tumores cerebrais primários incluem vários tipos histológicos diferentes, com características macroscópicas e moleculares variadas, e são classificados com base em uma lista de tumores do sistema nervoso central (SNC) definida pela Organização Mundial da Saúde.

Entre 5 e 10% de todos os tumores intracranianos estão localizados no ângulo ponto-cerebelar (APC). Os tumores de ângulo pontocerebelar (TAPC) mais comuns são Schwannoma vestibular (SV), meningioma e tumores epidermoides.

O SV é responsável por 75 a 85% de todos os tumores; os meningiomas representam até 10 a 15%, enquanto os epidermoides representam 7 a 8% de todos os tumores. Outros tumores menos comuns, que contribuem aproximadamente com 1%, incluem schwannomas de nervos cranianos (exceto nervo craniano VIII), cistos aracnóides, lipoma, glomus jugulare e lesões metastáticas entre outros.

Os sinais e sintomas dos SVs, meningioma e tumores epidermóides são inespecíficos, sendo os mais comuns: perda auditiva neurossensorial, zumbido e tontura. Na maioria, são tumores benignos de crescimento lento com baixo potencial de malignidade (~1%).


O ângulo ponto-cerebelar (APC) é um espaço latente, de formato irregular, localizado na fossa posterior cerebral, delimitado anteriormente pela superfície posterior do osso temporal e posteriormente pela superfície anterior do cerebelo. Medialmente, tem como limite a oliva inferior e superiormente, a borda inferior da ponte e do pedúnculo cerebelar e seu limite inferior é constituído pela tonsila cerebelar, local que abriga os nervos cranianos V, VI, VII e VIII, junto com a artéria cerebelar inferior anterior.

O APC é uma área vital para o tecido neurológico: tumores que crescem nessa região podem ter um impacto significativo na função sensorial e motora, devido à sua proximidade com os nervos cranianos e áreas cerebrais importantes para a audição, equilíbrio e coordenação dos movimentos oculares.

O tratamento dos tumores de ângulo pontocerebelar (TAPCs) consiste na ressecção cirúrgica. Este procedimento deve possibilitar a máxima ressecção do tumor, com a melhor preservação funcional. O acompanhamento neurofisiológico e a Monitorização intraoperatória neurofisiológica (MION) são técnicas que podem ser eficazes para prevenção de dano neurológico e preservação funcional.

Identificar insultos neurais intraoperatórios que permitam uma intervenção precoce para eliminar ou minimizar significativamente danos irreversíveis à estrutura neurológica e prevenir um déficit neurológico pós-operatório é o objetivo da MION.

A MION refere-se ao uso intraoperatório de estimulações neurofisiológicas para a avaliação funcional de redes neurais e monitoramento da integridade neural durante a cirurgia. Representa um método de identificação e monitoramento em tempo real de avaliação da integridade funcional da medula espinhal e das raízes nervosas, envolvendo a identificação de estruturas neurais específicas a fim de evitar ou minimizar lesões. Através da aquisição contínua de sinais neurais, determina a integridade do caminho longitudinal do sistema neural de interesse.

O objetivo da MION é, portanto, a detecção precoce de danos nervosos intraoperatórios ou a localização precisa dos principais nervos suscetíveis a danos intraoperatórios, minimizando assim o risco de déficits neurológicos pós-operatórios. Os tipos de testes neurofisiológicos incluem potenciais evocados motores (PEM), para monitorar as vias motoras descendentes, potenciais evocados somatossensoriais (PESS), para vias sensoriais ascendentes, potenciais evocados auditivos cerebrais, potenciais evocados visuais (PEV), eletroencefalografia (EEG), para registrar a atividade elétrica cerebral, e eletroneuromiografia (ENMG), para monitorar sistemas neuromusculares periféricos. [1]

A Monitorização Intraoperatória Neurofisiológica (MION)

A MION é um exame diagnóstico que tem como finalidade identificar lesões no sistema nervoso durante cirurgias ortopédicas, neurocirúrgicas, vasculares e otológicas, evitando possíveis sequelas.

Com o paciente sob anestesia geral, são colocados eletrodos que estimulam as vias neurológicas e registram potenciais, como por exemplo, os potenciais evocados (PE) motores (PEM), PE somatossensoriais (PESS), PE de tronco cerebral, eletroneuromiografia(ENMG) e eletroencefalograma (EEG). Essas respostas são interpretadas pelo médico neurofisiologista e reportadas à equipe cirúrgica.

Sendo assim, a principal aplicação da MION é permitir a distinção intraoperatória entre tecido tumoral e tecido sadio, permitindo estabelecer a área de segurança da ressecção do tumor a ser retirada, sendo muito utilizada para mitigar os riscos de sequelas neurológicas.

Algumas técnicas de MION utilizam equipamentos diferentes; porém, já existem aparelhos compatíveis com eletrodos e um software específico que combina diferentes técnicas, podendo utilizar qualquer técnica de estimulação de tecidos simultaneamente. Quando há combinação de mais de uma técnica de MION essa monitorização é chamada de MION multimodal (MIONMm).

A MION requer uma série de etapas para ser implementada em hospitais, como a avaliação da infraestrutura, incluindo energia elétrica, espaço adequado e cuidados referentes ao ambiente eletromagnético, treinamento de equipe, além da verificação e validação da integração com outros sistemas hospitalares, como prontuários e arquivos de imagens.

Qualquer variação do sinal na MION basal durante a cirurgia indica uma lesão neural e prediz o desenvolvimento de déficits neurológicos pós-operatórios.

Da mesma forma, os insumos como agulhas e eletrodos de estimulação são descartáveis, e a utilização do aparelho requer um neurofisiologista treinado e capacitado.

Vários fatores, incluindo agentes anestésicos, pressão arterial, temperatura corporal, oxigenação, hipocapnia, compressão mecânica, redução do suprimento sanguíneo e qualquer problema técnico, podem afetar o sinal da MION. A sua utilização requer técnicas anestésicas específicas para evitar interferências e alterações de sinal. Dessa forma, não é recomendado que o neurocirurgião ou o anestesista apliquem a MION concomitantemente ao ato cirúrgico ou anestésico, sendo recomendado a presença de um médico neurofisiologista.

Monitorização Intraoperatória Neurofisiológica no Sistema Único de Saúde:

O procedimento não é padronizado no SUS para todos os procedimentos cirúrgicos onde o monitoramento poderia ser indicado.

Na 127ª Reunião Ordinária da Conitec, realizada em 08 de março de 2024, os membros presentes no Comitê de Produtos e Procedimentos deliberaram, por unanimidade, recomendar a incorporação da monitorização intraoperatória neurofisiológica para pacientes com tumor cerebelopontino submetidos à cirurgia de exérese tumoral com alto risco de sequelas neurológicas. Após os esclarecimentos feitos pelas especialistas e a apresentação das contribuições de consulta pública, o Comitê entendeu que existe uma necessidade médica não atendida, considerou que MION é uma técnica eficaz e segura e apresenta benefícios clínicos claros à população de interesse. Apesar de o impacto orçamentário ter sido considerado elevado, esses custos foram considerados superestimados devido às limitações no levantamento dos custos para a análise. Foi assinado o Registro de Deliberação nº 884/2024.

A PORTARIA SECTICS/MS Nº 15, DE 18 DE ABRIL DE 2024 torna pública esta decisão. [2]

Na Tabela do SIGTAP, por enquanto estão codificados 2 procedimentos que incluem a monitorização intra-operatória:

04.03.06.003-6 - MICROCIRURGIA PARA LESIONECTOMIA COM MONITORAMENTO INTRAOPERATORIO: PROCEDIMENTO NEUROMICROCIRURGICO COM MONITORAMENTO INTRA-OPERATORIO POR MEIO DE ELETRODOS CEREBRAIS PARA A RETIRADA DE LESÃO CAUSAL DE EPILEPSIA CLINICAMENTE INTRATÁVEL.

04.03.06.007-9 - MICROCIRURGIA PARA RESSECÇÃO UNILOBAR EXTRATEMPORAL COM MONITORAMENTO INTRAOPERATORIO: PROCEDIMENTO NEUROMICROCIRURGICO COM MONITORAMENTO INTRA-OPERATORIO POR MEIO DE ELETRODOS CEREBRAIS PARA RESSECÇÃO DE UM LOBO NÃO TEMPORAL COM VISTAS AO CONTROLE DE EPILEPSIA CLINICAMENTE INTRATÁVEL.

Referências Bibliográficas