Doença de Niemann-Pick Tipo C
Índice
Informações Sobre a Doença
A doença de Niemann-Pick tipo C (NPC), é uma doença de depósito lisossomal neurovisceral, podendo afetar vísceras e cérebro. É causada por defeito no transporte intracelular de colesterol e glicoesfingolipídeos. A doença geralmente ocorre por mutações no gene NPC1, mas também podem ocorrer mutações no gene NPC2, sendo em ambos os casos herdada de forma autossômica recessiva. A maioria dos indivíduos são heterozigotos compostos com mutações exclusivas da família. A incidência da doença foi calculada como 1: 120.000, embora publicação recente sugira que esta estimativa possa ser subestimada. De acordo com relatório da Orphanet de 2019, estima-se que a prevalência da doença de NPC seja de 1:100.000 na Europa. Atualmente, não existem dados epidemiológicos nacionais sobre a doença.
O espectro clínico varia de uma doença pré-natal fatal a uma doença neurodegenerativa crônica de início na vida adulta. Os neonatos podem apresentar ascite e hepatomegalia, podendo estar associada à dificuldade respiratória por infiltração dos pulmões. Outros lactentes, sem doença hepática ou pulmonar, podem ter hipotonia e atraso no desenvolvimento. A apresentação clássica ocorre na infância média a tardia com o início insidioso de ataxia, paralisia supranuclear vertical do olhar e demência. Distonia e convulsões são comuns. A morte ocorre geralmente na segunda ou terceira década de vida por pneumonia aspirativa. Os adultos são mais propensos a apresentar demência ou sintomas psiquiátricos.
A raridade da doença e a escassez de expertise traduzem-se em erro ou atraso de diagnóstico e impedimento ao cuidado adequado, com desgaste emocional dos pacientes e de suas famílias, assim como das equipes de saúde. De outro modo, o diagnóstico exato com encaminhamento apropriado, proporciona melhoria da qualidade de vida.
Não há ainda terapia curativa doençaespecífica disponível para NPC, e a doença progride geralmente para morte prematura. A estratégia da abordagem é a terapia de suporte sintomático, provida por equipe multiprofissional e interdisciplinar. O presente dossiê visa a apresentar diretrizes gerais para a equipe de saúde e fornecer subsídios para o apoio aos pacientes e a seus cuidadores sobre o diagnóstico, tratamento e monitoramento para pacientes com doença de NPC.
O Relatório de Recomendação da CONITEC
O Relatório de Recomendação da CONITEC (número 511 de fevereiro de 2020) [1] aprova as Diretrizes Brasileiras para Diagnóstico e Tratamento da Doença de Niemann-Pick Tipo C. Considerando a necessidade de se estabelecerem parâmetros sobre a doença de Niemann-Pick do tipo C no Brasil e diretrizes nacionais para diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos indivíduos com esta doença; Considerando que os protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas são resultado de consenso técnico-científico e são formulados dentro de rigorosos parâmetros de qualidade e precisão de indicação; Considerando os registros de deliberações nº 451/2019 e nº 502/2020 e os relatórios de recomendação nº 465 - Junho de 2019 e nº 511 - Fevereiro de 2020 da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC), a busca e avaliação da literatura; e Considerando a avaliação técnica do Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias e Inovação em Saúde (DGITIS/SCTIE/MS), do Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos (DAF/SCTIE/MS) e do Departamento de Atenção Especializada e Temática (DAET/SAES/MS), resolvem: Art. 1º Ficam aprovadas as Diretrizes Brasileiras para Diagnóstico e Tratamento da Doença de Niemann-Pick Tipo C.
DIRETRIZES BRASILEIRAS PARA DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA DOENÇA DE NIEMANN-PICK TIPO C
Critérios de inclusão: Pacientes com diagnóstico de doença NPC confirmado por teste molecular dos genes NPC1 e NPC2.
Critérios de exclusão: Pacientes com diagnóstico confirmado de outras esfingolipidoses, que não doença de NPC (Ver subseção de diagnóstico diferencial).
Diagnóstico: Pacientes com suspeita moderada a leve devem ser avaliados de modo detalhado a fim de se estabelecer o diagnóstico correto. A avaliação se baseia em achados clínicos e laboratoriais e envolve avaliação oftalmológica, auditiva, neurológica e psiquiátrica. Os biomarcadores podem levar à suspeita diagnóstica, porém os testes genéticos, com o sequenciamento dos genes NPC1 e NPC2, são fundamentais para o diagnóstico.
Manifestações clínicas: A apresentação clínica é extremamente heterogênea e, por vezes, o paciente apresenta sintomas inespecíficos, com a idade de início variando do período antenatal à idade adulta (até sétima década de vida). As manifestações clínicas mais comumente associadas à doença de NPC são paralisia do olhar supranuclear vertical, cataplexia gelástica, esplenomegalia isolada, icterícia ou colestase neonatal prolongada, demência ou disfunção cognitiva precoce. A sobrevida dos pacientes varia de alguns dias a mais de 60 anos de idade, embora na maioria dos casos o óbito ocorra entre 10 e 25 anos de idade. Progressão da doença e mortalidade são influenciados pela idade de início dos sintomas neurológicos, sendo que, na maioria das vezes, quanto mais precoce o início, mais grave a doença.
Classificação: A doença de NPC pode ser classificada de acordo com a idade de início das manifestações clínicas em 5 grupos distintos, o perinatal, infantil precoce, infantil tardio, juvenil, adolescente/adulto.
Diagnóstico Diferencial:
- Hidropsia fetal: doenças cromossômicas, malformações cardíacas congênitas, hemoglobinopatias, doenças infecciosas, outros erros inatos do metabolismo;
- Icterícia neonatal prolongada: hepatite neonatal idiopática, atresia biliar, galactosemia, deficiência de alfa-1-antitripsina, distúrbios da síntese dos ácidos biliares, fibrose cística, tirosinemia tipo I, colestase familiar intrahepática progressiva, peroxissomopatias;
- Esplenomegalia isolada ou hepatoesplenomegalia: mucopolissacaridoses, oligossacaridoses, esfingolipidoses (doença de Gaucher, de Niemann-Pick A e B), deficiência de lipase ácida lisossomal, doença do depósito de glicogênio;
- Distonia: distúrbios da cadeia respiratória, deficiência de piruvato desidrogenase, deficiência de vitamina E, deficiência do transportador de glicose 1, homocistinúria, doença de Wilson, defeitos do ciclo da ureia, acidúria orgânica;
- Ataxia: doenças mitocondriais, ataxia de Friedreich, deficiência de vitamina E, ataxia cerebelar autossômica recessiva;
- Paralisia do olhar vertical supranuclear: paralisia supranuclear progressiva, atrofia sistêmica múltipla, demência com corpúsculos de Lewy, ataxia espinocerebelar, doença de Tay-Sachs, doença de Wilson, deficiência de vitamina B12, encefalopatia de Wernicke, doença de Huntington, doença de Jakob Creutzfeldt;
- Cataplexia gelástica: convulsões gelásticas, tetrade narcoléptica;
- Psicose: histeria, esquizofrenia, doença de Wilson, defeito do ciclo da ureia, porfiria intermitente aguda, xantomatose cerebrotendinosa, homocistinúria.
Diagnóstico laboratorial:
Estudo genético: pelo estudo genético, variantes patogênicas bialélicas em NPC1 correspondem a 95% dos casos e, em NPC2, a cerca de 4% dos casos de NPC. A identificação de dois alelos com mutações do gene NPC1 ou NPC2, sabidamente associadas à doença, confirma o diagnóstico de NPC. Cerca de 700 variantes NPC1 foram relatadas, das quais 420 são consideradas patogênicas.
Neuroimagem: recomenda-se realização de RM para auxiliar no diagnóstico da doença, caso esteja disponível nos serviços de saúde em que o paciente esteja sendo avaliado.
Aconselhamento genético: Sendo a doença de NPC autossômica recessiva, a probabilidade de recorrência para outros irmãos do paciente é de 25%. Portanto, os irmãos do ‘caso índice’ devem ser avaliados quanto à presença de doença de NPC.
TRATAMENTO:
Tratamento não- específico: O paciente com doença de NPC tem uma doença crônica, progressiva, multissistêmica e, frequentemente, requer cuidados urgentes por equipe multiprofissional que inclua fonoaudiólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, equipe de enfermagem e diferentes especialidades médicas.
Tratamento Respiratório com antibioticoterapia nas exacerbações de origem bacteriana agudas. Recomenda-se que os pacientes recebam a vacina contra Streptococcus pneumoniae e Haemophilus influenzae.
Tratamento Neurológico: Recomenda-se o tratamento das crises convulsivas com anticonvulsivantes usualmente indicados para crises tônico-clônicas e, preferencialmente, deve-se iniciar o tratamento em monoterapia com a menor dose eficaz, conforme orientação do PCDT específico para epilepsia.
Tratamento cirúrgico: A deglutição é prejudicada pelo comprometimento neurológico e tende a piorar, aumentando o risco de aspiração. Gastrostomia pode, então, ser indicada.
MONITORAMENTO: O monitoramento dos pacientes com doença de NPC necessita de equipe multidisciplinar que inclui clínicos, neurologistas, psiquiatras, oftalmologistas, anestesistas, fonoaudiólogos, otorrinolaringologistas, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, nutricionistas, ortopedistas, assistentes sociais e geneticistas.
Pacientes com suspeita de doença de NPC devem, preferencialmente, ser encaminhados para um centro de referência em doenças raras para seu adequado diagnóstico e inclusão no tratamento. No caso de localidades onde inexistam tais centros, recomenda-se que o profissional médico entre em contato com um especialista em doenças raras para discussão do caso e manejo adequado. A avaliação e o tratamento iniciais devem, preferencialmente, ocorrer em centro de referência especializado, podendo ocorrer de modo descentralizado, de acordo com a disponibilidade dos serviços de saúde nas diferentes esferas de atuação. Devem ser observados os critérios de inclusão e exclusão de pacientes neste documento, a duração e a monitorização do tratamento.
Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos (SIGTAP) do SUS
Os procedimentos cadastrados no Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos (SIGTAP) do SUS, relacionados aos procedimentos incluídos nesta diretriz:
03.01.01.021-8 - Avaliação clínica de diagnóstico de doenças raras eixo I: 3 - erros inatos de metabolismo;
02.02.10.011-1 - Identificação de mutação por sequenciamento por amplicon até 500 pares de bases;
02.02.10.007-3 - Análise de DNA por MLPA 02.02.10.008-1 - Identificação de mutação/rearranjos por PCR, PCR sensível a metilação, QPCR e QPCR sensível a metilação;
02.05.02.004-6 - Ultrassonografia de abdômen total;
02.11.07.004-1 - Audiometria tonal limiar (via aérea / óssea);
02.07.01.006-4 - Ressonância magnética de crânio;
02.02.02.038-0 - Hemograma completo;
02.02.01.064-3 - Dosagem de transaminase glutâmico-oxalacética (TGO);
02.02.01.065-1 - Dosagem de transaminase glutâmico-pirúvica (TGP);
02.02.01.046-5 - Dosagem de gama-glutamil-transferase (GAMA-GT);
02.02.01.020-1 - Dosagem de bilirrubina total e frações;
02.02.02.014-2 - Determinação de tempo e atividade da protrombina (TAP);
02.02.01.062-7 - Dosagem de proteínas totais e frações.
Decisão
A PORTARIA CONJUNTA Nº 9, DE 14 DE ABRIL DE 2020 [2] aprova as Diretrizes Brasileiras para Diagnóstico e Tratamento da Doença de Niemann-Pick Tipo C.