Calprotectina fecal
Índice
Introdução
A Doença de Crohn (DC) é uma doença inflamatória intestinal (DII) resultante da ativação imune inadequada da mucosa. É caracterizada como uma doença crônica, sem etiologia conhecida e sem cura, sendo suas principais características a presença de lesões salteadas, assimétricas, transmurais ou granulomatosas ao longo do íleo, cólon e região perianal, permitindo que ela se apresente sob três formas: inflamatória, fistulosa e fibroestenosante.
Por ser uma doença inflamatória crônica e sem cura, a história natural da DC é marcada por períodos de manifestações agudas e remissões e o seu tratamento consiste em abordagens com os objetivos principais de induzir e manter o controle sintomático, além de melhorar a qualidade de vida e minimizar as complicações a curto e longo prazo. As abordagens terapêuticas mais recentes incluem a indução e manutenção da cicatrização histológica da mucosa, possibilitando uma mudança da história natural da DC.
Diagnóstico
De maneira geral, o diagnóstico das DII é realizado a partir de uma avaliação combinada das características clínicas com achados endoscópicos, histopatológicos, laboratoriais e de imagem.
Em relação às características clínicas, os sinais mais comuns observados em pacientes com DC incluem: febre, palidez, caquexia, massas abdominais, fístulas e fissuras perianais. Além disto, os sintomas mais comuns observados no momento do diagnóstico são: diarreia seguida por sangramento, perda de peso e dor abdominal.
Apesar de haver a necessidade de investigações mais aprofundadas para compreender a localização e a extensão da DC, a confirmação diagnóstica por meio da realização da ileocolonoscopia está bem estabelecida, além de técnicas radiológicas, como enteroressonância magnética e enterotomografia computadorizada, que podem ser úteis, principalmente em casos de lesões leves. Em alguns casos, o uso de cápsulas endoscópicas e enteroscopias são aconselháveis, como é o caso de pacientes com sintomas característicos e falha no diagnóstico radiológico.
Ademais, as análises laboratoriais contribuem na avaliação de sinais de resposta inflamatória aguda e/ou crônica, presença de anemia e sinais de desnutrição ou má absorção intestinal. Para isso, as investigações iniciais podem envolver: hemograma completo, PCR, CF e VHS. A PCR e a VHS são substitutos padrão da resposta de fase aguda à inflamação, sendo que a PCR se correlaciona com alterações na atividade inflamatória devido à sua meia-vida curta de 19 h. O mesmo é válido para a calprotectina fecal (CF), com destaque para a sua capacidade preditiva em decidir qual paciente deve ser submetido a uma investigação endoscópica.
Atualmente estão disponíveis no SUS:
- ileocolonoscopia
- ressonância magnética
- tomografia computadorizada
- exames laboratoriais como hemograma, PCR e VHS'
Teste da Calprotectina Fecal (CF)
Descrita pela primeira vez em meados de 1980, a calprotectina é caracterizada como um complexo proteico pertencente à família de proteínas leucocitárias S100 ligantes de cálcio (S100A8 e S100A9), com atividade antimicótica. Presente em aproximadamente 45% das proteínas citosólicas de neutrófilos e expressa constitutivamente por monócitos e macrófagos ativados, a calprotectina apresenta potencial como marcador inflamatório. Suas ligações com o cálcio conferem a ela resistência a processos proteolíticos e a altas temperaturas, o que permite que seja identificada e quantificada nas fezes, principalmente quando a inflamação ocorre no intestino. A sua correlação com o número de neutrófilos presentes no lúmen intestinal permite detectar respostas inflamatórias agudas no intestino.
Diferente da colonoscopia, o teste da CF é um teste não invasivo.
O teste da CF utiliza amostras fecais, coletadas na residência do paciente ou no local de análise, para monitorar a atividade da DC naqueles pacientes com diagnóstico confirmado previamente.Classificar corretamente a atividade da doença é importante para direcionar o manejo terapêutico, bem como reduzir o consumo de medicamentos desnecessários.
A identificação da CF pode ser realizada por diferentes métodos (ELISA, turbidimétricos).
O método de identificação da CF exerce influência direta no tempo de resposta e na resposta obtida, sendo que as análises podem ser conduzidas em laboratórios ou no local de coleta, utilizando testes rápidos. Além disso, os métodos podem ser qualitativos ou quantitativos.
Os testes qualitativos têm por objetivo dizer se o paciente apresenta ou não DII em atividade, podendo ser úteis na diferenciação de DII e síndrome de intestino irritável.
Os testes quantitativos costumam explorar diferentes linhas de cortes e têm por objetivo principal estratificar a gravidade da DII em função do resultado do teste, sendo úteis no direcionamento do manejo do paciente.
A ANVISA aprovou a tecnologia para Diagnóstico e monitoramento da doença Inflamatória Intestinal (Doença de Crohn [DC] ou retocolite ulcerativa). Diferentes testes de CF estão registrados, desde testes convencionais de laboratório, ou seja, aqueles que necessitam de estrutura própria para realização, até os testes rápidos (point-of-care) que podem ser realizados no local de coleta.
Descrição de resultados do teste:
Nível de CF num intervalo normal (< 50 µg/g): inflamação gastrointestinal praticamente excluída; normalmente não são necessárias outras medidas de diagnóstico invasivas.
Nível de CF ligeiramente elevado (50 – 200 µg/g): baixo nível de atividade inflamatória no trato gastrointestinal (possível doença inflamatória intestinal em remissão); são recomendados repetição do teste e outros métodos diagnósticos.
Nível de CF significativamente elevado (> 200 µg/g): doença orgânica ativa do trato gastrointestinal; é aconselhado um teste confirmatório e acompanhamento com especialista
Contraindicações: Os fármacos anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) induzem enteropatia em até 20-65% nos pacientes que os utilizam. Os AINEs podem originar concentrações elevadas de CF. Nestes casos, deve ser considerada a reavaliação da CF após interromper os AINEs.
Cuidados e Precauções: Um diagnóstico clínico definitivo não deve ser baseado nos resultados de um teste único isolado, mas sim, após avaliações clínica e laboratorial do médico especialista. Antes de realizar o teste, verificar se o paciente está fazendo uso de AINEs
Recomendação da CONITEC
Os membros do Comitê de Produtos e Procedimentos presentes na 127ª Reunião Ordinária da Conitec, realizada no dia 08 de março de 2024, deliberaram por unanimidade, recomendar a incorporação no SUS da calprotectina fecal no monitoramento de pacientes com doença de Crohn envolvendo o cólon, conforme Protocolo Clínico do Ministério da Saúde.
Para essa recomendação os membros do Comitê consideraram fundamental as contribuições advindas da consulta pública, que apresentaram a importância da realização do exame no monitoramento dos pacientes em tratamento, por ser de fácil acesso, menos invasivo e mais econômico. Consideraram também as opiniões dos especialistas presentes na reunião que apresentaram estudo recentemente publicado e confirmaram que a realização do exame de calprotectina fecal poderá diminuir a realização de exames de colonoscopias no monitoramento dos pacientes, diminuindo filas de espera para a realização do exame.
Foi assinado o Registro de Deliberação nº 885/2024.
A PORTARIA SECTICS/MS Nº 19, DE 18 DE ABRIL DE 2024, torna pública a decisão de incorporar, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS, o exame de calprotectina fecal no monitoramento de pacientes com doença de Crohn envolvendo o cólon, conforme Protocolo Clínico do Ministério da Saúde.