Dispositivo de Assistência Ventricular Esquerda (DAVE)

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Introdução

A insuficiência cardíaca (IC) é uma condição final de diversas doenças do coração, o que justifica sua elevada prevalência. É uma das principais causas de mortalidade e morbidade no mundo e está associada a um alto uso de recursos e despesas com saúde. Estima-se que a insuficiência cardíaca afete 26 milhões de pessoas no mundo. Sua prevalência tem crescido rapidamente devido ao envelhecimento da população e também à melhora na assistência e no tratamento desta condição.

A IC é uma condição na qual o coração perde a capacidade de bombear sangue suficiente para atender as necessidades metabólicas do organismo em repouso e, principalmente em esforço, levando a uma progressiva limitação da qualidade de vida. Na insuficiência cardíaca, ocorrem alterações hemodinâmicas como redução do débito cardíaco, aumento da pressão arterial pulmonar e da resistência vascular periférica. Pode ser consequência de doenças valvares, pericárdicas ou do próprio miocárdio, sendo as principais etiologias no Brasil a isquêmica e a hipertensiva.

O diagnóstico é baseado principalmente em dados de anamnese e exame físico, tendo como principais sinais e sintomas a falta de ar, edema de membros inferiores e fadiga, além de evidências de congestão cardíaca.

Tratamento da Insuficiência Cardíaca

Tratamento não farmacológico

A abordagem não farmacológica envolve ação coordenada de múltiplos profissionais da saúde.

As principais estratégias recomendadas para os pacientes de classe funcional II a III (NYHA), incluem a prática de exercícios aeróbicos dentro de programas de reabilitação cardíaca de forma individualizada. A restrição hídrica e de sódio é indicada para pacientes congestos , sendo o controle do peso corporal uma medida importante para monitorar a retenção hídrica. Além disso, imunizações contra Influenza (anual) e Pneumococcus (dose única com reforço aos 65 anos e em pacientes com alto risco) são recomendadas.


Tratamento farmacológico

A abordagem medicamentosa padrão da insuficiência cardíaca inclui inibidores da enzima conversora de angiotensina, betabloqueadores, antagonistas do receptor da angiotensina II e antagonistas da aldosterona, além de diuréticos em casos de congestão.

Pacientes com evidência de hipoperfusão orgânica, hipotensão arterial sintomática, baixo débito cardíaco ou choque cardiogênico podem utilizar agentes inotrópicos intra-hospitalar. Os inotrópicos, como a dobutamina ou noradrenalina, visam melhorar o débito cardíaco e a pressão de perfusão dos órgãos16 e podem levar à melhora dos sintomas. Entretanto, o uso prolongado ou doses elevadas estão relacionados ao aumento da mortalidade intra-hospitalar, sendo preconizada a sua utilização nas menores doses e tempo possíveis.


Uso de dispositivos

Outras tecnologias também podem beneficiar os pacientes com insuficiência cardíaca e estão indicadas para casos específicos, como é o caso do cardioversor desfibrilador implantável e a terapia de ressincronização cardíaca, além do suporte circulatório mecânico de curto prazo como o balão intra-aórtico ou o equipamento para oxigenação por membrana extracorpórea. No entanto, parte dos pacientes com insuficiência cardíaca avançada permanecem refratários mesmo com a terapia farmacológica otimizada e o uso dos dispositivos indicados, apresentando uma progressão desfavorável da doença, podendo evoluir para dependência de agentes inotrópicos, disfunção de múltiplos órgãos e óbito.

O transplante cardíaco e o suporte circulatório mecânico são duas opções de tratamento para esses pacientes. Em relação ao transplante cardíaco, alguns pacientes podem apresentar contraindicações ao procedimento, e a terapia com o uso de dispositivo de assistência ventricular vem sendo desenvolvida para aumentar a assistência a esses pacientes.



Dispositivo de assistência ventricular esquerda


Os Dispositivos de Assistência ao Ventrículo Esquerdo (DAVE) de primeira geração foram aprovados pela Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos para uso clínico em 1994. Inicialmente, estes dispositivos de fluxo pulsátil foram indicados como suporte circulatório em pacientes aguardando transplante cardíaco (ponte para transplante). Já os dispositivos de fluxo contínuo, de segunda e terceira geração, foram aprimorados em relação a sua estrutura e função, apresentando maior durabilidade. Isso permitiu ampliar as indicações dos DAVE como uma terapia final para pacientes considerados inelegíveis ao transplante cardíaco (terapia de destino).

O oitavo relatório anual do INTERMACS, em 2017, mostrou que as taxas de sobrevivência de um e dois anos com os DAVE de fluxo contínuo usados atualmente são superiores a 80% e a 70%, respectivamente.

Desde a sua concepção original, os DAVE preservam certas características, como a cânula de entrada posicionada no ápice do ventrículo esquerdo, permitindo que o sangue flua através da bomba, que foi aprimorada ao longo do tempo, até a cânula de saída, que conduz o fluxo sanguíneo para a circulação sistêmica do paciente, podendo estar conectada mais frequentemente a porção ascendente da aorta ou ao seu segmento descendente.

As indicações para o uso do DAVE são classificadas principalmente como “ponte para transplante”, “ponte para candidatura ao transplante”, “terapia destino” e “ponte para recuperação”.

A utilização como ponte para o transplante tem o objetivo de fornecer suporte circulatório a pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida, elegíveis para transplante, até que o coração de um doador esteja disponível.

Na ponte para a candidatura ao transplante, o DAVE é usado como medida temporária nos casos em que pacientes estão com disfunção de órgãos-alvo devido à insuficiência cardíaca (contraindicação relativa ao transplante). A estabilização da hemodinâmica com melhora da função renal, do estado nutricional e redução da hipertensão pulmonar pode ajudar a torná-los elegíveis para transplante.

Outra indicação temporária é a “ponte para recuperação”, na qual existe a perspectiva de melhora da função ventricular após um problema agudo, como miocardite e disfunção ventricular pós-infarto agudo do miocárdio, sendo retirado o dispositivo com a melhora da função ventricular e a recuperação do paciente.

A terapia de destino é aplicada em pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida avançada que não são elegíveis para transplante cardíaco. Nestes pacientes, os dispositivos mais recentes apresentam maior durabilidade e podem aumentar a sobrevida dos pacientes.

Ficha técnica da tecnologia - DAVE-C

O HeartMate 3® (HM3) é um dispositivo de assistência ventricular esquerda de fluxo contínuo e centrífugo (DAVE-C), desenvolvido para pacientes com insuficiência cardíaca refratária em estágio terminal, e que oferece suporte mecânico circulatório de curto ou longo prazo. Esse dispositivo usa a tecnologia Full MagLev Flow, que consiste em um rotor levitado magneticamente com grandes intervalos de fluxo sanguíneo e um pulso artificial, que não necessita de rolamentos hidrodinâmicos ou mecânicos, com o objetivo de reduzir o risco de desgaste, geração de calor e falha do dispositivo. Sua tecnologia permite que os glóbulos vermelhos passem através da bomba, reduzindo o estresse de cisalhamento, o que ajuda a reduzir a hemólise – um fator importante na formação de trombos.

O DAVE-C HM3, uma bomba de sangue destinada a oferecer suporte circulatório de longo prazo, possui um controlador do sistema com acesso extracorpóreo e é um dispositivo médico projetado para oferecer benefício terapêutico para pacientes com insuficiência cardíaca avançada refratária. Quando em operação, pode assumir parcialmente ou completamente o trabalho do ventrículo esquerdo, contribuindo assim com a melhora da perfusão sistêmica do paciente e dos sintomas subjacentes. O DAVE-C HM3 inclui todos os recursos, controles, acessórios, interfaces, fontes de energia, equipamentos de suporte, rotulagem e ferramentas necessárias para obter o benefício pretendido. A energia da linha pode ser alimentada em duas configurações: pelo módulo de energia ou pela fonte de alimentação móvel para operar o dispositivo indefinidamente (isso é conveniente para períodos em repouso ou durante o sono); ou por meio de baterias portáteis, que podem ser utilizadas em momentos de atividade, com limitação de tempo.

É indicado pela ANVISA para fornecer suporte hemodinâmico em longo prazo em pacientes com insuficiência avançada e refratária do ventrículo esquerdo do coração. Ele é previsto como um suporte temporário, como uma ponte para o transplante cardíaco ou como uma terapia de destino permanente. O HeartMate 3 é destinado a ser utilizado dentro ou fora do ambiente hospitalar.


Contraindicações:

Segundo o fabricante, o DAVE-C é contraindicado para pacientes que não toleram ou que sejam alérgicos à terapia de anticoagulação.

Entretanto, para o caso específico da indicação para incorporação do DAVE-C no SUS, que é para pacientes inelegíveis ao transplante, algumas das contraindicações ao transplante cardíaco também podem se repetir e contraindicar o uso do DAVE-C.


Precauções:

 É necessário ter um entendimento avançado dos princípios técnicos, das aplicações clínicas e dos riscos associados ao apoio ventricular esquerdo antes de utilizar o DAVE-C.

 É necessário que a equipe cirúrgica conclua o programa de treinamento cirúrgico.

 Todos os usuários, incluindo médicos, pacientes e profissionais de saúde, devem ser treinados na operação e segurança do sistema, e acessórios de alimentação do HM3 (módulo de energia, unidade portátil de energia, carregador da bateria e baterias de íons de lítio) antes do uso.

 Não utilizar o DAVE-C em mulheres grávidas ou com possibilidade de engravidar. O feto em crescimento pode desalojar a bomba, podendo resultar em falhas no dispositivo, sangramento catastrófico ou morte. É necessário orientar as mulheres férteis a utilizar um método de contracepção confiável caso elas sejam sexualmente ativas.

 Para aferir regularmente a pressão arterial do paciente, necessita-se de um aparelho de Doppler de fluxo, pois como o fluxo sanguíneo com o DAVE-C é contínuo, não é possível aferir a pressão pelos métodos tradicionais.


Eventos adversos:

Segundo o manual do DAVE-C HM3, os seguintes eventos adversos podem estar associados ao uso do HM3:

 Morte;

 Sangramento (perioperatório ou posterior);

 Infecção local;

 Arritmia cardíaca;

 Insuficiência respiratória;

 Sepse;

 Infecção pelo condutor de impulsão ou pela bolsa da Bomba;

 Insuficiência cardíaca direita;

 Insuficiência renal;

 Episódio psiquiátrico (*manual não explica o que seria este evento adverso);

 Acidente vascular cerebral (AVC);

 Evento tromboembólico periférico;

 Disfunção hepática;

 Disfunção neurológica;

 Hemólise.

Recomendação da CONITEC

Os membros do Comitê de Produtos e Procedimentos da Conitec, em sua 133ª Reunião Ordinária da Conitec em 5 de setembro de 2024, deliberaram por unanimidade, recomendar a incorporação do Dispositivo de Assistência Ventricular Esquerda (DAVE), de fluxo contínuo e centrífugo, para pacientes com insuficiência cardíaca avançada do ventrículo esquerdo, inelegíveis ao transplante de coração (terapia de destino).

Para essa recomendação os membros do Comitê consideraram parâmetros de efetividade, com ênfase em sobrevida, falta de tratamentos atualmente disponíveis para estes pacientes, além do potencial estruturante desta incorporação para os serviços de saúde especializados. Adicionalmente, alguns membros expressaram preocupações quanto ao potencial aumento de iniquidades no acesso a esta tecnologia, dada a concentração, nas regiões Sul e Sudeste, de serviços tecnicamente especializados capazes de oferecer este tratamento. Foram expressas também ressalvas, dada a complexidade da tecnologia em questão, quanto à manutenção física de componentes bem como de atualizações de software, que deverão ser levadas em consideração nos contratos de aquisição do dispositivo.

Os membros do Comitê de Produtos e Procedimentos da Conitec enfatizam também a importância do envolvimento das instituições especializadas na temática da Câmara Técnica Assessora em Atenção Cardiovascular e das áreas técnicas no âmbito do Ministério da Saúde, das sociedades de especialistas e dos grandes centros de transplante, no processo de planejamento, implementação, contratação e monitoramento pós implementação.

Reiterou-se também a observação da manutenção dos parâmetros de preço/econômicos que embasaram a análise econômica e o impacto orçamentário para a deliberação de incorporação.

Assim foi assinado o Registro de Deliberação nº 930/2024.

A PORTARIA SECTICS/MS Nº 60, DE 16 DE DEZEMBRO DE 2024 torna pública a decisão de incorporar, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS, o Dispositivo de Assistência Ventricular Esquerda (DAVE), de fluxo contínuo e centrífugo, para pacientes com insuficiência cardíaca avançada do ventrículo esquerdo, inelegíveis ao transplante de coração (terapia de destino).


Referências Bibliográficas

Dispositivo de Assistência Ventricular Esquerda (DAVE), de fluxo contínuo e centrífugo, para pacientes com insuficiência cardíaca avançada do ventrículo esquerdo, inelegíveis ao transplante de coração (terapia de destino)