Mudanças entre as edições de "Internação Psiquiátrica Compulsória"
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Algumas vezes operadores do Direito confundem a internação para tratamento médico comum com a noção de medida de segurança criada durante o Estado Novo brasileiro (vide o Decreto-Lei 2.840, de 7 de dezembro de 1940, ou Código Penal). A medida de segurança, quando implica tratamento médico obrigatório, em sucedâneo de manicômio judiciário, é reservada apenas a situações derivadas de crimes praticados por doentes mentais inimputáveis processados. | Algumas vezes operadores do Direito confundem a internação para tratamento médico comum com a noção de medida de segurança criada durante o Estado Novo brasileiro (vide o Decreto-Lei 2.840, de 7 de dezembro de 1940, ou Código Penal). A medida de segurança, quando implica tratamento médico obrigatório, em sucedâneo de manicômio judiciário, é reservada apenas a situações derivadas de crimes praticados por doentes mentais inimputáveis processados. | ||
− | A atividade médica não depende de aval ou de autorização judicial para ser exercida. A alta médica hospitalar não pode ser confundida com alvará de soltura para presidiários, pois o | + | A medida de segurança difere da atividade médica no SUS, este o qual não depende de aval ou de autorização judicial para ser exercida. A alta médica hospitalar não pode ser confundida com alvará de soltura para presidiários ou medida de segurança, pois o hospital não é uma prisão e o sistema de saúde não é parte do sistema prisional. |
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Edição das 13h06min de 27 de setembro de 2022
Índice
CONCEITOS BÁSICOS
Em 06/04/2001 foi promulgada a Lei 10.216, visando a "proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental" A Lei 10216 [1], definiu as modalidades de internação psiquiátrica:
"I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;
II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e
III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça."
Estas definições constam no parágrafo único do Art. 6º que, antes de mais nada, define que "A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos."
Laudo circunstanciado não é atestado singelo: é documento detalhado, descrevendo o estado clínico, os tratamentos já tentados, as falhas e as expectativas de terapias no hospital, e explicitando as razões médicas da indicação. Os motivos, em um laudo médico, são motivos clínicos, de ordem psicopatológica e terapêutica, não sociais ou referentes aos desejos dos familiares.
Dessa forma, uma ordem judicial determinando internação hospitalar psiquiátrica, obrigatoriamente, precisa se embasar em um laudo médico circunstanciado, detalhado, explicitando os motivos que levam o médico a prescrever a internação e fazendo a indicação clínica da mesma. Esta prerrogativa foi confirmada na "Carta de Florianópolis", lavrada pelos integrantes do grupo de trabalho da 1ª Conferência Nacional Saúde Mental e Direito: construindo interfaces, concretizando direitos, reunidos nos dias 02 e 03 de agosto de 2013 na sede da Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC), em Florianópolis, após debates e deliberações nas oficinas temáticas e que foi subscrita pelas Associações Brasileira e Catarinense de Psiquiatria, além da AMC, da Escola Superior da Magistratura e do Conselho Regional de Psicologia - Regional 1.
DIRETRIZES DE SAÚDE PÚBLICA
Em fevereiro de 2019 foi publicada a Nota técnica N°11/2019, [2] estabelecendo esclarecimentos sobre as mudanças na Política Nacional de Saúde Mental e nas Diretrizes da Política Nacional sobre Drogas da qual arrolamos itens em que foram propostas mudanças:
- Inclusão de duas novas codificações SIGTAP (Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS), substituindo o procedimento único anterior, para internação: 03.03.17.019-0 - TRATAMENTO EM PSIQUIATRIA DE CURTA PERMANENCIA POR DIA (PERMANENCIA ATÉ 90 DIAS) 03.03.17.020-4 - TRATAMENTO EM PSIQUIATRIA POR DIA (COM DURAÇÃO SUPERIOR A 90 DIAS DE INTERNAÇÃO OU REINTERNAÇÃO ANTES DE 30 DIAS)
- Inclusão nas RAPS (Rede de Atenção Psicossocial): a) Ambulatório multiprofissional de saúde Mental – Unidades Ambulatoriais Especializadas b) Hospital psiquiátrico c) Hospital-dia
Também são citados outros tratamentos como passiveis de fornecimento pelo Ministério da Saúde, colocada como exemplo a eletroconvulsoterapia, “cujo aparelho passou a compor a lista do Sistema de Informação e Gerenciamento de Equipamentos e Materiais (SIGEM) do Fundo Nacional de Saúde, no ítem 11711. Desse modo, o Ministério da Saúde passa a financiar a compra desse tipo de equipamento para o tratamento de pacientes qua apresentam determinados transtornos mentais graves e refratários a outras abordagens terapêuticas” porém, sem codificação até o momento.
Deve-se ficar claro que internação psiquiátrica diz respeito a internação em instituição hospitalar. Assim, não há embasamento para decisões de internação compulsória em outro tipo de instituição tais como comunidades terapêuticas acolhedoras. Neste sentido, em 05 de junho de 2019 foi sancionada a Lei nº 13.840 [3], para tratar do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, definir as condições de atenção aos usuários ou dependentes de drogas e tratar do financiamento das políticas sobre drogas e dá outras providências, que traz, em seu Art. 23, o seguinte: "Art. 23-A. O tratamento do usuário ou dependente de drogas deverá ser ordenado em uma rede de atenção à saúde, com prioridade para as modalidades de tratamento ambulatorial, incluindo excepcionalmente formas de internação em unidades de saúde e hospitais gerais nos termos de normas dispostas pela União e articuladas com os serviços de assistência social (...) § 9º É vedada a realização de qualquer modalidade de internação nas comunidades terapêuticas acolhedoras."
PRINCÍPIOS DO TRATAMENTO AMBULATORIAL
No Sistema Único de Saúde a porta de entra para o tratamento de qualquer transtorno mental é o regime ambulatorial. O paciente poderá ser encaminhado para internação hospitalar mediante indicação do médico assistente, geralmente no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), uma vez que são estas estruturas no SUS responsáveis pelo atendimento dos transtornos mentais de maior gravidade. Conforme a Lei 10.216, a internação deve ser embasada em indicações clínicas e quando todas as possibilidades extra-hospitalares estiverem esgotadas. Assim, num espírito contrário ao da conservação da “ordem social” prevista no Decreto-Lei nº 891/1938, a Lei 10.216, de 6 de abril de 2001 redireciona o modelo assistencial em saúde mental, para fora dos hospitais em direção à comunidade, aos ambulatórios, aos centros de atenção psicossocial e a outros dispositivos a serem criados a partir da instalação do Sistema Único de Saúde nos municípios brasileiros. Tal mudança é natural diante do avanço no tratamento dos transtornos mentais, especialmente após a incorporação de um grande arsenal de antipsicóticos, capaz de controlar as doenças mentais maiores, tais como a esquizofrenia e a doença maníaco-depressiva (transtorno bipolar tipo I). A estruturação dos CAPS é de responsabilidade dos municípios. Municípios menores, onde a população não é suficiente para estruturação do CAPS, podem associar-se a municípios vizinhos em consórcio para criar CAPS “microrregional”. Na mesma ordem, em relação ao atendimento de dependente químico, consta à sessão IV, da Lei Nº 13.840, que o tratamento do usuário ou dependente de drogas deverá ser ordenado em uma rede de atenção à saúde, com prioridade para as modalidades de tratamento ambulatorial.
A INTERNAÇÃO HOSPITALAR
A lei 10.216/01 atrela a assistência e a promoção de ações de saúde à devida participação da sociedade e da família. Restringe as indicações de internação para casos em que o tratamento ambulatorial se mostrar falho ou impossível de ser realizado, conforme reza o art. 4o.: "Art. 4o A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes."
Contra o desejo de muitas famílias, de encerrarem para sempre seu familiar em um asilo estatal proíbe colocar doentes mentais em instituições asilares. Assim, no mesmo artigo 4o. da Lei, no seu § 1o contraria as noções populares comuns de que hospital psiquiátrico é campo de concentração para indesejados, abrigo permanente para rejeitados, pensionato para quem não tem casa ou asilo para quem é expulso do convívio familiar, e no § 3o veda a internação asilar: "§ 1o O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio." § 3o É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares."
A Lei Nº 13.840, ordenada para a política pública sobre drogas, dispõe que:
"§ 2º A internação de dependentes de drogas somente será realizada em unidades de saúde ou hospitais gerais, dotados de equipes multidisciplinares e deverá ser obrigatoriamente autorizada por médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina - CRM do Estado onde se localize o estabelecimento no qual se dará a internação.
§ 3º São considerados 2 (dois) tipos de internação:
I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do dependente de drogas;
II - internação involuntária: aquela que se dá, sem o consentimento do dependente, a pedido de familiar ou do responsável legal ou, na absoluta falta deste, de servidor público da área de saúde, da assistência social ou dos órgãos públicos integrantes do Sisnad, com exceção de servidores da área de segurança pública, que constate a existência de motivos que justifiquem a medida."
O tempo de permanência no hospital dependerá da evolução do quadro clínico do paciente. Sua alta deverá ser dada por critérios técnicos, a cargo do médico que o atende.[4] Esta foi a conclusão de número 7 da Carta de Florianópolis. Assim, a determinação para internação por tempo mínimo estabelecido não se baseia em evidências científicas constantes na literatura médica de qualidade. Vejamos que a decisão judicial acerca uma internação compulsória não pode adentrar na seara médica e determinar o dia da alta.
A atenção à saúde mental é atualmente organizada no SUS dentro da área temática da "RAPS" - Rede de Atenção Psicossocial. Em Santa Catarina, está publicada no [portal eletrônico da Secretaria de Estado da Saúde https://www.saude.sc.gov.br/index.php/resultado-busca/redes-de-atencao-a-saude-profissionais/10243-rede-de-atencao-psicossocial-raps]</ref>. Os hospitais que podem receber pacientes psiquiátricos em Santa Catarina são:
Município | Hospital | Nº leitos |
---|---|---|
Blumenau | Hosp. Santo Antônio | 10 |
Brusque | Hosp. Arquiodes Consul C. Renaux | 4 |
Concórdia | Hosp. São Francisco | 17 |
Curitibanos | Hosp. Helio dos Anjos Ortiz | 20 |
Joinville | Hosp. Matern. Infantil Dr. Jesser A. Faria | 14 |
Joinville | Hosp. Regional Hans Dieter Schmidt | 30 |
Jaraguá do Sul | Hosp. e Matern. Jaraguá | 4 |
Laguna | Hosp. Senhor Bom Jesus dos Passos | 15 |
Lauro Muller | Hosp. Munic. Henrique Lage | 15 |
Lindóia do Sul | Hosp. Izolde Hubner Dalmora | 8 |
Luzerna | Hosp. São Roque | 30 |
Mondai | Assoc. Hospital Mondaí | 15 |
Palmitos | Hosp. Regional de Palmitos | 25 |
Papanduva | Hosp. Maternidade São Sebastião | 2 |
Ponte Serrada | Hosp. Santa Luzia | 13 |
Praia Grande | Hosp. N. Senhora de Fátima | 8 |
Quilombo | Hosp. São Bernardo | 12 |
Santa Cecília | Hosp. e Maternidade Sta Cecília | 30 |
São José | IPQ/SC | 160 |
Rio do Sul | Hosp. e Maternidade Samária | 30 |
Timbó | Hosp. Oase | 4 |
Três Barras | Hosp. Félix da Costa Gomes | 8 |
Tunápolis | Assoc. Hospitalar de Tunápolis | 13 |
Urussanga | Hosp. N. Senhora da Conceição | 30 |
O Instituto de Psiquiatria de Santa Catarina (IPQ/SC), é um estabelecimento público, que serve como referência estadual para casos clínicos psiquiátricos complexos, inclusive tratamento de dependência química. Muito embora atualmente há alguns CAPS tipo III que contam com serviços 24hs, o IPQ/SC dispõe da única emergência psiquiátrica funcionando 24 horas ao dia em hospital psiquiátrico. Assim, qualquer paciente que necessite de internação psiquiátrica da região da capital pode se desolcar ao setor de Triagem e Atendimento de emergência para que seja avaliado e tenha sua indicação médica para internação confirmada.
TÓPICOS ACERCA DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA E TRATAMENTOS DE REABILITAÇÃO
A dependência química é uma síndrome médica que tem acompanhado a humanidade desde eras mais remotas, e ocorre em todas as faixas etárias. Desde a antiguidade o ser humano descobriu drogas capazes de alterar seu humor e percepção, as quais com potencial variável de ocasionar compulsão ao uso, determinante para o estabelecimento da dependência química. Uma vez estabelecida a dependência química, o indivíduo passa a buscar a substância não apenas visando o prazer, mas também para dirimir os efeitos da síndrome de abstinência. Tais comportamentos e eventos - de busca da substância, intoxicação, recuperação, síndrome de abstinência - consomem grande parte do tempo do indivíduo, que, nas fases mais graves passam o dia inteiro em função da droga.
O fato de alguém ser usuário de substâncias químicas, sejam elas a nicotina, a cafeína, o álcool etílico ou as ilegais, não é fenômeno que obrigatoriamente demande assistência médica ou cuidados em saúde. As drogas ilícitas, não são, no entanto, ilícitas por coincidência, pois é muito raro o indivíduo conseguir fazer uso controlado de tais substâncias, havendo potencial muito alto de desenvolver dependência química. Tais drogas também têm potencial muito maior de gerar doenças, não somente síndrome de abstinência, mas também psicoses agudas e crônicas, distúrbios cognitivos, e outras doenças médicas gerais, tais como eventos vasculares muito comuns no uso de cocaína (AVC e infarto do miocárdio). Aqui cabe comentar sobre o álcool, droga lícita que também tem potencial devastador, com uma das síndromes de abstinência mais graves ("delirium tremens"), além de degradação do tecido nervoso, que ocorre na síndrome de Korsakov e demências.
No SUS, o tratamento da dependência química deve ser direcionado aos Centros de Atenção Psicossociais (CAPS). Em municípios maiores, convém a estruturação de CAPS-ad, isto é, especializado no tratamento de pessoas com problemas com álcool e outras drogas. Conforme informações disponíveis no Portal Brasil, "O SUS tem os Centros de Atenção Psicossocial para álcool e drogas (CAPSad), de atendimento diário, com atividades laborais, de lazer e de cidadania." Ainda, "A internação em hospital psiquiátrico não é a principal forma de tratamento." A conclusão número 8 da "Carta de Florianópolis" aborda a questão de que não basta apenas a internação, a continuidade do tratamento ambulatorial após a alta também deve ser foco do judiciário.
Neste sentido, é muito importante abordar a importância do tratamento ambulatorial. Muito importante, para avançar da fase priomordial do tratamento em dependência química é o envolvimento dos "codependentes", em geral familiares. A codependência é um fenômeno não exclusivo da dependência química, mas é aqui que mais se observam tais influências. Trata-se de perturbações emocionais nos indivíduos que não são os reconhecidos diretamente com a doença (no caso, a drogadição), mas que com ele se relaciona de forma complexa, que, além de não conseguir se desvincular ou mesmo estabelecer um relacionamento saudável, atua de forma a propagar o comportamento de drogadição. Ou seja, s codependentes são "dependentes" junto com o adicto, só que afetivamente e não das substâncias em si, pois há uma relação afetiva patológica, na qual um utiliza a fragilidade do outro como justificativas para permanecer no ciclo de dependência química e cuidados. Por isso, é tão importante a abordagem integral da dependência química, onde se pode atuar sobre o comportamento patológico também do codependente, fornecendo recursos para que se reconheça e interrompa o padrão de satisfação que ocorre quando se coloca o "salvador" do adicto, que por fim leva a manutenção do ciclo vicioso e o codependente também deixa de viver sua própria vida e sonhos em função do outro.
Também mantido pelo Governo Federal, o sítio Crack, é possível vencer traz todas as informações desenvolvidas no Brasil no intuito do combate a dependência dessa droga.
Tratamentos complementares em Dependência química - Comunidades Terapêuticas
A Resolução n. 1980/11 do Conselho Federal de Medicina [5] definiu que estabelecimentos de saúde, também chamados de serviços de saúde ou unidades de saúde, são aqueles onde se exerçam atividades de diagnóstico e tratamento, visando a promoção, proteção e recuperação da saúde e que sejam de direção técnica de médicos.
Existem diversas instituições que agem na área da prevenção terciária não-médica, por autoajuda, de forma eletiva (opcional), criando condições para que pessoas mudem seu estilo de vida e deixem de conviver em ambientes que os induzam ao abuso de drogas. Também auxiliam na promoção de comportamentos mais adequados que auxiliam na prevenção de recaídas. Estas instituições não são hospitais e nem clínicas de saúde - mas sim instituição de permanência mais longa com características eminentemente psicossoais.
Em geral, foram denominadas "Comunidades Terapêuticas", dado seu caráter comunitários, isto é, convivência de indivíduos semelhantes (dependentes químicos), convivendo e auxiliando-se mutuamente para buscar a sobriedade e mudanças do estilo de vida.
As comunidades terapêuticas não estão, portanto, sob o crivo de unidades de saúde, mas há uma série de regulamentações sociais e sanitárias para o seu funcionamento. É necessário um responsável técnico, geralmente psicólogo, sendo de boa praxe a presença de médico, enfermeira e assistente social. O fato de ter equipes de saúde que atendam seus hóspedes não as transforma em hospital, em clínica ou em consultório, assim como uma penitenciária, um aeroporto ou um supermercado que mantenha contrato com um médico para eventualmente atender seus funcionários, não os transformam, por isso, em hospitais, nem em clínicas, nem em consultórios.
A Lei Nº 13.840, também, discorre sobre o acolhimento do usuário ou dependente de drogas na comunidade terapêutica, como demonstrado abaixo. Art. 26-A. O acolhimento do usuário ou dependente de drogas na comunidade terapêutica acolhedora caracteriza-se por:
I - oferta de projetos terapêuticos ao usuário ou dependente de drogas que visam à abstinência;
II - adesão e permanência voluntária, formalizadas por escrito, entendida como uma etapa transitória para a reinserção social e econômica do usuário ou dependente de drogas;
III - ambiente residencial, propício à formação de vínculos, com a convivência entre os pares, atividades práticas de valor educativo e a promoção do desenvolvimento pessoal, vocacionada para acolhimento ao usuário ou dependente de drogas em vulnerabilidade social;
IV - avaliação médica prévia;
V - elaboração de plano individual de atendimento na forma do art. 23-B desta Lei; e
VI - vedação de isolamento físico do usuário ou dependente de drogas.
§ 1º Não são elegíveis para o acolhimento as pessoas com comprometimentos biológicos e psicológicos de natureza grave que mereçam atenção médico-hospitalar contínua ou de emergência, caso em que deverão ser encaminhadas à rede de saúde.
Este último ponto, bastante importante e prático, coaduna com o fato de que comunidades terapêuticas não são alternativas para o devido atendimento médico hospitalar.
A MEDIDA DE SEGURANÇA
Os Hospitais de custódia, antes denominados "Manicômios Judiciários", não são administrados pelo Sistema Único de Saúde e apenas tangenciam a RAPS. Em todas as unidades federativas do país, os hospitais de custódia e tratamento não pertencem às Secretarias de Saúde, mas às Secretarias de Justiça ou de Segurança.
Em Santa Catarina, o HCTP (Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico) atualmente é vinculado à Secretaria de Administração Prisional. Tem por finalidade primordial a custódia dos apenados em medida de segurança, isto é, indivíduos de cometeram delitos em função de desordem mental. Secundariamente, se presta ao tratamento de apenados com distúrbios mentais.
Algumas vezes operadores do Direito confundem a internação para tratamento médico comum com a noção de medida de segurança criada durante o Estado Novo brasileiro (vide o Decreto-Lei 2.840, de 7 de dezembro de 1940, ou Código Penal). A medida de segurança, quando implica tratamento médico obrigatório, em sucedâneo de manicômio judiciário, é reservada apenas a situações derivadas de crimes praticados por doentes mentais inimputáveis processados.
A medida de segurança difere da atividade médica no SUS, este o qual não depende de aval ou de autorização judicial para ser exercida. A alta médica hospitalar não pode ser confundida com alvará de soltura para presidiários ou medida de segurança, pois o hospital não é uma prisão e o sistema de saúde não é parte do sistema prisional.
QUESTÕES DE ORDEM PRÁTICA
A lei 10216 definiu a internação compulsória com objetivos de garantir o acesso a tratamento reabilitador a indivíduos com grave transtornos mentais, mas nos quais os serviços de saúde foram exauridos na sua capacidade de abordar o paciente. Exemplificando, seria aquele paciente com grave erro de julgamento, no qual a doença mental não permite a busca de um tratamento voluntariamente, mas que também a família e os serviços de saúde não conseguem realizar o tratamento involuntariamente.
Deve-se atentar que a requisição familiar de uma ordem judicial para internar em hospital psiquiátrico contém, muitas vezes, o desejo velado de asilar o paciente, no antigo modelo de hospital psiquiátrico asilar, quando não haviam os recursos terapêuticos atuais. Ainda se observam casos em que familiares recusam-se a buscar o paciente para casa. Muitos destes casos chegam ao judiciário, ou seja, quando a família pleiteia a continuidade do ato segregante, sob as mais variadas desculpas, como “risco à vida” e como “direito constitucional à saúde”.
Após 20 anos da lei, discussões interdisciplinares e resoluções, na prática tem ocorrido que muitas varas judiciais com maior experiência no assunto têm atuado em tais pedidos deferindo especialmente a "avaliação compulsória". Ou seja, utiliza-se do aparato judicial para abordar o paciente e levá-lo para uma avaliação médica contra sua vontade, deixando a internação a critério do médico avaliador - pois, de fato, a internação requer um laudo médico circunstanciado caracterizando os motivos da internação.
Muitos pedidos de internação compulsória erroneamente o advogado da parte autora deixa de incluir o município no pólo passivo. Isto é bastante complicado para a operacionalização de uma decisão de internação compulsória, não somente porque cabe ao município o tratamento ambulatorial, mas especialmente porque é de responsabilidade do município o transporte do indivíduo por ambulância. Ora, os hospitais não têm qualquer condição de retirar as ambulâncias de sua função de atender os pacientes internos para sair a busca de pacientes em sua residência, sob o risco de atuação negligente com os primeiros e imprudente para com o segundo. São as ambulâncias do municípios, junto das equipes da Estratégia de Saúde da Família (ESF), que agrega agentes comunitários, junto de equipes especializadas de NASF e CAPS que podem buscar o paciente em sua residência para levá-lo então ao órgão hospitalar. Aí sim, muitos casos pode haver necessidade de apoio policial, de oficiais de justiça, garantindo o acesso a saúde do indivíduo que não tem condição de decisão.
Também há muitos pacientes que recebem alta médica em internações pelo SUS saem melhorados, ou seja, recuperados e sóbrios, livres de psicopatologia maior. Então por que voltam a internar? Pode-se dizer que há muitas respostas. Muitos pacientes que são dependentes químicos decidem, livremente, retornar ao consumo de álcool, do abuso de remédios e de outras drogas ilícitas. Pode haver inclusive benefícios secundários para tal comportamento. Doentes mentais podem não ter acesso a tratamento ambulatorial - ou, mais grave e não raro, o tratamento ambulatorial pode ser boicotado pelos mais diversos motivos. Preconceitos religiosos pode fazer com que deixe de usar a medicação. Famílias desestruturadas também podem boicotar o tratamento do paciente usado como "bode expiatório".
Em dependência química, inexiste qualquer método que garante que o indivíduo não ira retornar ao ao uso de drogas abusivas. Os dependentes químicos que saem de um internação recebem do médico a prescrição de uma simples dieta: abster-se das drogas e do álcool. Também na maior parte destes casos carece a adesão ao tratamento ambulatorial de forma integrada, abordando inclusive os co-dependentes. Não há justificativas para que, em municípios pequenos, se alegue que não existe CAPS-ad: todo município dispõe ao menos de atenção básica, apoio de psiquiatras e psicólogos, e os grupos de apoio tais como NAs e AAs estão disponíveis em todo território nacional.
Deve-se, portanto, ficar clara que que a decisão da abstinência deve ser pessoal - nada adianta o médico, a família ou o juiz querer que o indivíduo deixe de ser dependente químico, se ele não quiser. Muitas vezes a pressão destes atores contra o desejo do indivíduo, tem efeitos contrários: o dependente químico perde a confiança da família, e passa a ver os órgãos de saúde como inimigos e indesejáveis, e não como suportes auxiliadores na sua transformação.
Vejamos então que, muitos pedidos judiciais recorrentes de internação compulsória acabam por apenas consumir um leito que poderia ser mais bem utilizados para pacientes com real desejo de mudança e motivados para o tratamento.
A Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990 [6] define os limites do Estado na prestação de serviços e explicita a obrigação do cidadão, de cuidar de si, não dilapidando o que o Estado lhe pode proporcionar:
"Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § 2º O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade."
O SUS provê as condições, mantendo a rede básica de saúde e os CAPS, além de garantir vagas hospitalares, se for necessária a internação. O estado vem formulando e executando políticas adequadas à questão, inclusive atualmente regulando leitos em comunidades terapêuticas credenciadas. Cabe aos pacientes fazerem a sua parte, deixando de ir, voluntariamente, em busca, comprar e ingerir álcool e das drogas ilícitas. Cabe a eles cumprirem seus deveres para com sua saúde.
Em relação às medidas de segurança, importante apontar que, em Santa Catarina o HCTP recebe apenas indivíduos do sexo masculino. Assim as femininas com determinação judicial para cumprir medida de segurança ficam sem um estabelecimento adequado. Isto é bastante problemático, pois tais mulheres terão, em geral, três alternativas: a) tratamento ambulatorial; b) medida de segurança em leito psiquiátrico; c) medida de segurança em prisão comum. Vejamos que as duas últimas são os destinos ainda mais problemáticos, pois geralmente necessários para aquelas consideradas de maior periculosidade. A apenada em medida de segurança em prisão comum tende a ocasionar distúrbios na unidade, pois demanda também de cuidados de saúde. Por outro lado, quando em leito psiquiátrico, além da ocupação prolongada de uma unidade de saúde, de serem comuns problemas de relacionamento com outras internas, ainda mais que usualmente as medidas de segurança ocorrem por período de 1-3 anos, e podendo se prolongar.
REFERÊNCIAS
- ↑ [lei 10.216 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm]
- ↑ [Nota técnica N°11/2019 http://pbpd.org.br/wp-content/uploads/2019/02/0656ad6e.pdf]
- ↑ [Lei nº 13.840 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13840.htm]
- ↑ [ Resolução CFM nº 2.057/2013 http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2013/2057_2013.pdf]
- ↑ Resolução n. 1980/11 do Conselho Federal de Medicina (CFM)
- ↑ Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990
Também foram compiladas informações de diversos pareceres do Prof. Dr. Alan Índio Serrano, Médico Psiquiatra, da Comissão Médica Estadual de Regulação.
<http://pbpd.org.br/wp-content/uploads/2019/02/0656ad6e.pdf/>