Alterações

Eletroconvulsoterapia

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Quantas sessões são necessárias?
A eletroconvulsoterapia (ECT) é o tratamento somático mais antigo dentre os ainda utilizados na prática psiquiátrica atual e também o mais controverso. A ECT se popularizou nos meados do século XX, entre as décadas de 40 e 60. No entanto, já entre os anos 60 e 80, o uso da ECT encontrou resistência, deixando de ser uma opção terapêutica para muitos psiquiatras e serviços de psiquiatria, que viam o método como sinônimo de uma prática psiquiátrica manicomial ou como mecanismo punitivo. O mecanismo de ação da ECT ainda não é totalmente esclarecido. Até a atualidade, inúmeros avanços técnicos e científicos foram incorporados ao procedimento da ECT, como o uso da anestesia, dos bloqueadores neuromusculares, aplicações unilaterais e medicações coadjuvantes, que aumentam o conforto e o bem estar do paciente. <ref name="ECT">[https://diretrizes.amb.org.br/psiquiatria/eletroconvulsoterapia-2/ Eletroconvulsoterapia . Projeto Diretrizes, AMB (2016)]</ref>. ==Por que é feita==A ECT pode proporcionar melhorias rápidas e significativas nos sintomas graves de algumas condições de saúde mental, como: *'''Depressão grave''' (uni ou bipolar), particularmente quando acompanhada de desapego da realidade (psicose), desejo de cometer suicídio ou recusa de comer.*'''Esquizofrenia refratária''', que não melhora com medicamentos ou outros tratamentos.* '''Quadros esquizoafetivos'''.*'''Mania'''.*'''Doença de Parkinson'''.*'''Síndrome Neuroléptica Maligna'''. Situações clínicas especiais como pacientes idosos, portadores de comorbidades, crianças e pacientes grávidas, muitas vezes têm na ECT a sua única oportunidade de tratamento 18,19 (D). A refratariedade ou a presença de eventos adversos decorrentes dos psicofármacos constituem-se em fortes argumentos para a indicação da ECT.<ref name="ECT"/> ==Riscos/Contraindicações==Embora a ECT seja geralmente segura, os riscos e efeitos colaterais podem incluir:*'''Alterações somáticas''', como dor de cabeça, náusea e vômitos, mas também são observadas arritmias cardíacas.*'''Alterações cognitivas''', como confusão e ''delirium''. A diminuição da memória anterógrada também é um evento adverso de curto prazo, que tende a melhorar depois de alguns dias ou poucas semanas. O efeito colateral em longo prazo da ECT mais frequente e que pode ter mais longa duração é a amnésia retrógrada, inclusive com relatos de pacientes com lapsos mnêmicos de eventos passados que não remitiram. A ECT não possui contraindicações absolutas e seu risco não é maior que o de uma anestesia geral. Um médico especialista deve ser consultado para que o risco da ECT seja minimizado em alguns casos como: arritmias, hipertensão arterial severa, insuficiência cardíaca congestiva, grandes aneurismas, diabete insulino-dependente, tumores cerebrais, traumatismo crânio encefálico, acidente vascular cerebral, epilepsia, malformações cerebrovasculares e glaucoma de angulo fechado.<ref name="ECT"/> ==ECT funciona?==A eficácia da ECT no tratamento de doenças mentais graves é reconhecida pela Associação Americana de Psiquiatria, pela Associação Médica Americana, pelo Instituto Nacional de Saúde Mental e por organizações semelhantes no Canadá, na Grã-Bretanha e em muitos outros países. Embora a ECT possa ser muito eficaz para muitos indivíduos com doença mental grave, não é uma cura. Para evitar o retorno da doença, a maioria das pessoas tratadas com ECT precisa continuar com algum tipo de tratamento de manutenção. Isso normalmente significa psicoterapia e / ou medicação ou, em algumas circunstâncias, tratamentos contínuos de ECT.<ref name="PSY">[https://www.psychiatry.org/patients-families/ect What is Electroconvulsive therapy (ECT)?].</ref>. Hoje em dia, no Brasil, o Conselho Federal de Medicina tolera a eletroconvulsoterapia, como tratamento eletivo, porém apenas dentro de técnicas modernas, com anestesia e sedação prévias, com todos os controles necessários e exigidos pela Resolução CFM 1640/02 e consentimento livre informado assinado pelo paciente, ou por responsável legal, em caso de incapacidade de compreensão e deliberação.<ref name="CFM">[http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2002/1640_2002.htm RESOLUÇÃO CFM Nº 1.640/2002].</ref>. ==Quantas sessões são necessárias?==A resposta clínica é o principal referencial para a decisão dos números de sessões. A experiência clínica sugere uma variação de 6 a 12 sessões, mas esses números devem servir apenas como referenciais gerais. Além da resposta clínica, os efeitos colaterais cognitivos, por serem cumulativos, também ajudarão na decisão de interromper o tratamento. Quando estes são muito intensos, isso pode sugerir que se atingiu um limite. A prática de continuar o tratamento após a remissão (por exemplo, duas sessões a mais) não parece ter fundamentação científica.A associação Médica Brasileira (AMB) recomenda que a resposta clínica e os efeitos colaterais cognitivos deverão guiar a decisão de continuar o tratamento ou suspendê-lo. Em caso de remissão ou platô de resposta (melhora parcial mantida por uma semana) ou quando haja prejuízo cognitivo óbvio (amnésia grave ou estado confusional) o tratamento deverá ser interrompido. == Que profissionais devem aplicar a ECT?==A ECT é um ato médico e a equipe para sua realização deve contar com a participação de um psiquiatra, um anestesista e ao menos duas enfermeiras. Pareceres de outras especialidades médicas podem ser necessários de acordo com cada caso. ==ECT no SUS==A ECT não tem protocolos clínicos e nem diretrizes terapêuticas aprovadas no âmbito do SUS. Não consta na relação de medicamentos instituída pelo Ministério da Saúde, que é o gestor federal. Tampouco consta na lista oficial de ações e procedimentos de saúde, a RENASES.<br>A incorporação tem um rito legal, devendo as provas científicas comporem processo na Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC). O Decreto 7.646, de 21 de dezembro de 2011, dispõe sobre a CONITEC e sobre o processo administrativo para incorporação, exclusão e alteração de tecnologias em saúde pelo Sistema Único de Saúde - SUS, e dá outras providências. Os interessados em sua incorporação poderão montar processo apresentando à CONITEC novas evidências científicas, caso venham a existir. 
==Procedimento Eletivo ou de Urgência/Emergência?==
'''Não há urgência neste tipo de tratamento.'''<br>
Em nenhum livro de Psiquiatria ou de Medicina de Pronto Socorro há referência às indicações de eltroconvulsoterapia como um procedimento de urgência ou de emergência. Nenhum Pronto-Socorro do mundo tem aparelhagem para fazer eletroconvulsoterapia, e sua indicação é sempre eletiva (não obrigatória, opcional, alternativa), em qualquer país do mundo, hoje.<br>
Não seria científica a alegação de que a demora no tratamento de eletroconvulsoterapia pudesse ferir os direitos de um paciente.
 
==Transtorno depressivo a ECT==
O transtorno depressivo é uma doença '''crônica''', causada por fatores genéticos, que se manifesta por episódios ora depressivos (melancólicos e apáticos), ora maníacos (eufóricos e hiperativos), intercalados por fases sem sintomas. Este '''curso natural da doença é vitalício'''. O paciente portador deste tipo de doença não tem cura, mas pode ter a doença controlada. <br>
Ao tempo em que apenas se tratava as pessoas com ECT, por não terem ainda inventado remédios, os resultados eram pequenos, paliativos, temporários e decepcionantes. Com a descoberta das propriedades farmacológicas, nos anos 50 e 60, dos antidepressivos, dos neurolépticos e dos estabilizadores de humor os resultados foram surpreendentes. Contudo, o remédio precisa ser tomado com regularidade e a dose precisa ser ajustada seguidamente, através de exames de dosagem daquele fármaco no sangue, semestrais.<br>
Algumas pessoas, em função de características da personalidade ou de características que a doença adquiriu por particularidades de seu organismo, não têm melhoras significativas durante os episódios tratados, sendo classificados como refratários a tratamentos.
 
==Histórico==
A ECT é, e sempre foi, a longo de toda a história da Psiquiatria, um tratamento eletivo e coadjuvante, feito como uma '''tentativa''' heróica de melhorar um quadro de loucura circular ou maníaco-depressiva. Ela '''não tem propriedades curativas'''. Apenas pode amenizar sintomas temporariamente, em algumas situações, para algumas pessoas. “Pode amenizar” não significa que “vai amenizar”: não há certeza sobre os resultados. Aliás, se fosse um tratamento tão usável e tão bom, não se receitaria, hoje em dia, tantos antidepressivos, tantos neurolépticos e tantos estabilizadores do humor. <br>
Quando se descobriu, na Itália dos anos 30, que o choque poderia amenizar, em algumas pessoas, os sintomas, ele passou a ser promovido como política de saúde pelo governo fascista de Mussolini. Também o governo de Joseph Stalin, na União Soviética, adotou-o como política de saúde. Observou-se, então grande número de mortes de pacientes durante a aplicação do tratamento, assim como fraturas de ossos (durante a convulsão que o choque causava) e efeitos colaterais sobre a memória e a orientação. <br>
A Associação Mundial de Psiquiatria (World Psychiatric Association - WPA) passou a criticar o uso indiscriminado do perigoso e pouco científico tratamento, na forma como era aplicado, no contexto das políticas de saúde dos países que se inspiraram na Itália Fascista e na União Soviética. O VI Congresso Mundial de Psiquiatria culminou com o desligamento da psiquiatria soviética da World Psychiatric Association (WPA) devido ao uso abusivo da eletroconvulsoterapia pelos médicos soviéticos, eventualmente até para desestimular dissidentes políticos. Naquele Congresso foi proclamada a Declaração do Hawai que consiste em normas éticas para os psiquiatras.<ref>KINGDON D, JONES R, LONNQVIST J. ''Protecting the human rights of people with mental disorder: new recommendations emerging from the Council of Europe''. BRITISH JOURNAL OF PSYCHIATRY, Volume: 185 Pages: 277-279 DOI: 10.1192/bjp.185.4.277 Published: OCT 2004. Resumo disponível em: <http://bjp.rcpsych.org/content/185/4/277.short>.</ref><br>
No Brasil, a Conferência Nacional de Saúde Mental é uma parte especializada que compõe a '''Conferência Nacional de Saúde''', órgão máximo de controle social da saúde, instituído nos termos da Lei Nº 8.142 de 28 de dezembro de 1990. Em Brasília, a deliberação nº 26, da III Conferência Nacional de Saúde Mental, de 2001, recomendou, para as direções das políticas de saúde mental no Brasil, para os anos seguintes, abolir o eletro-choque, comparando-o a “prática de suplício e de desrespeito aos direitos humanos. Na mesma época, diversas moções de repúdio à utilização da eletroconvulsoterapia (ECT) ao Congresso e ao governo '''determinaram a abolição do eletro-choque nos cuidados da saúde mental, no SUS'''.<br>
A influência desta corrente contrária ao uso da eletroconvulsoterapia foi forte sobre o Ministério da Saúde: até hoje o Ministério não aprova o tratamento e não tem tabela, no SUS, para pagá-lo, para evitar os riscos de ser processado por violação de direitos humanos.
 
==Evidências científicas==
Hoje em dia há vários estudos e vários debates sobre a liberalização do uso, sob regras rígidas. Um dos estudos científicos mais respeitados sobre o tema, no Brasil, afirma: <ref>SOARES MBM, MORENO RA, MORENO DH. ''Electroconvulsive therapy in treatment-resistant mania: case reports''. Rev. Hosp. Clin. [online]. 2002, vol.57, n.1, pp. 31-38. ISSN 0041-8781. doi: 10.1590/S0041-87812002000100006.</ref>
{|
| style="width: 50%;"|
| style="width: 50%;"| CONCLUSÕES: Os resultados iniciais sugerem que a eficácia da Eletroconvulsoterapia no tratamento de pacientes bipolares resistentes '''deve ser melhor estudada'''. [sem grifo no original]
|}<br>
O livro texto especializado, de Sérgio Paulo Rigonatti et all. (2004), no segundo capítulo, didaticamente, discute o mecanismo de ação da eletroconvulsoterapia, dizendo que:<ref>RIGONATTI SP, ROSA MA, ROSA MO (orgs.) ''Eletroconvulsoterapia''. São Paulo: Vetor; 2004.</ref><br>
{|
| style="width: 50%;"|
| style="width: 50%;"|"embora '''não seja ainda completamente conhecido''', há teorias importantes relacionadas ao assunto, sendo as três principais: a teoria clássica dos neurotransmissores, a neuroendócrina e a anticonvulsiva. Esta última afirma que o efeito antidepressivo da ECT está relacionado ao fato do seu profundo efeito anticonvulsivante no cérebro". [sem grifo no original]
|}<br>
No terceiro capítulo, os autores desmistificam a técnica e discutem os prós e contras enfatizando a necessidade de ligação da psiquiatria com as outras especialidades médicas, especialmente a cardiologia.<br>
De fato, hoje, seguindo protocolos rígidos, selecionando muito bem os pacientes, o número de mortes durante a aplicação do tratamento – e por efeito dele – caiu muito: a taxa de mortalidade associada ao tratamento é de um em cada cem mil casos tratados<ref>SALLEH MA, et al. ''Eletroconvulsoterapia: critérios e recomendações da Associação Mundial de Psiquiatria.'' Rev. psiquiatr. clín., São Paulo, v. 33, n. 5, 2006 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-60832006000500006&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 06 dez. 2010. doi: 10.1590/S0101-60832006000500006.</ref>. Alguém que não faça o tratamento, portanto, não correrá este risco.<br>
Hoje em dia, no Brasil, o Conselho Federal de Medicina tolera a eletroconvulsoterapia, como tratamento eletivo, porém apenas dentro de técnicas modernas, com anestesia e sedação prévias, com todos os controles necessários e exigidos pela Resolução CFM 1640/02 e consentimento livre informado assinado pelo paciente, ou por responsável legal, em caso de incapacidade de compreensão e deliberação.
==Referências==
Estas informações foram organizadas a partir de parecer do Prof. Dr. Alan Índio Serrano, Médico Psiquiatra, da Comissão Médica Estadual de Regulação.
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